
Sonho muito e tendo a lembrar-me sempre de tudo aquilo com que sonhei. Há uns dias, o sonho foi de que vivia num mundo diferente — vou inspirar-me em Aldous Huxley e chamar-lhe Admirável Mundo da Inteligência Emocional. Quero contar-vos tudo sobre ele, mas primeiro preciso de vos dar algum contexto.
Toda a gente sabe como é o mundo em que vivemos. O so called (but not so good) mundo normal. Bem sabemos como é a vida que vivemos — vou chamar-lhe vida real. Nascemos e crescemos a carregar uma mochila nas costas, que poucas (ou quase nenhumas) vezes se abre — a das emoções e dos sentimentos. Guardamos o que sentimos porque, perante os outros, isso é fragilidade. E a fragilidade não é coisa que se aprecie sempre.
Quando crescemos, somos isso tudo, com mais centímetros e responsabilidades. Quanto à mochila, foi ficando mais e mais pesada.
Na escola, aprendemos matemática, português, inglês, história, geografia e francês. Não aprendemos a sentir. Não aprendemos a identificar, aceitar, comunicar e gerir as diferentes emoções. Aprendemos, desde muito cedo, a pôr um sorriso na cara e mandar embora tudo aquilo que não é alegria. Não aprendemos, sempre, a olhar para e pelo outro. É mais cada um por si, salve-se quem puder.
Quando crescemos, somos isso tudo, com mais centímetros e responsabilidades. Quanto à mochila, foi ficando mais e mais pesada. São toneladas de emoções e sentimentos — alegria, tristeza, raiva, frustração, euforia — lá dentro. O que acontece? O que se vê. Estamos, muitos, emocionalmente fragilizados e instáveis. Não sabemos lidar connosco mesmo, tampouco com os outros.
Mas no meu sonho não era nada assim — percebi logo, por isso, que se tratava um sonho. O mundo era um lugar muito (mas muito) melhor. Prontos? Aqui vamos nós.
O ADMIRÁVEL MUNDO DA INTELIGÊNCIA EMOCIONAL
No mundo com que sonhei, havia espaço para rigorosamente tudo. Para somar, subtrair, multiplicar e dividir. Para perímetros, áreas e volumes. Para raios e diâmetros. Havia espaço para aprender o abecedário, para os ditados e para as composições. Para aprender anatomia, geografia, história, inglês e francês.
Até aqui, nada de novo, certo? Afinal, perguntam vocês, e muito bem, o que tinha assim, de tão admirável, este mundo? É que lá, pasme-se, havia igual espaço para sentir, digerir, comunicar e ser. Tudo, sempre, por inteiro. E sabem que mais? As pessoas eram muito mais felizes. A educação emocional era tão importante como a lógico-matemática e os seres humanos eram melhores e mais completos.
Os conflitos eram geridos de forma inteligente e resolvidos, pelo que pude constatar, sem grandes zaragatas. Mas que os havia, havia. Se se permitiam emoções e se incentivava a sua comunicação, havia, naturalmente, emoções conflituantes entre os diferentes indivíduos. Mas como nas escolas e em casa, as crianças eram ensinadas, desde sempre, a trabalhar o que sentiam e a dialogar de forma saudável, havia inteligência e disponibilidade emocional para os gerir.
Na verdade, se pensarmos bem, quantos problemas da vida real não se resolveriam com um bom diálogo?
Também vi mais empatia e altruísmo. Olhar para o próprio umbigo é algo que, no meu Admirável Mundo da Inteligência Emocional, se guardava só para altura do banho. Percebi que se olhava, sim, muito, para dentro e, curiosamente, para o umbigo dos outros. Todos queriam saber como os outros estavam e como se sentiam. Se precisavam de um abraço, de uma palavra amiga ou, apenas, de estarem a sós com eles mesmos.
A empatia mostrou ter um outro efeito maravilhoso que me relembrou que só podia estar a sonhar. No Admirável Mundo da Inteligência Emocional, não havia espaço para qualquer tipo de preconceito — racismo, machismo, homofobia ou xenofobia, entre tantos outros. A diferença era encarada como ela, realmente, é — apenas uma diferença. As pessoas eram todas diferentes, mas todas iguais. Percebi, até, que aproveitavam as diferenças para aprenderem umas com as outras. Que bom que assim fosse na vida real...
"De pequenino é que se torce o pepino"
A inteligência emocional é essencial para enfrentar vários desafios do quotidiano, tanto para as crianças, como para os adultos. Treiná-la dá, efetivamente, algum trabalho, mas os frutos parecem ser dos bons — doces, suculentos, maduros e bonitos. No meu sonho, pelo menos, eram.
No Admirável Mundo da Inteligência Emocional, nas escolas, desde cedo, estimulavam-se os miúdos de forma diferente, para que se mantivessem atentos e interessados e para que tivessem, no final, melhores resultados. As competências socioemocionais eram tão importantes como as outras e o seu desenvolvimento deixava os miúdos mais motivados e comprometidos com a escola.
O primeiro passo, do que pude constatar, era ensiná-los a compreender as diferentes emoções e a lidar com elas. Isso era a chave para saberem lidar com momentos de maior tensão e stress, em que eram postos à prova, pela vida fora.
Um estudante podia sentir-se nervoso e ansioso para um teste para o qual se preparou, mas sabia gerir e domar essas emoções. Deste modo, o seu conhecimento e performance não ficavam comprometidos. O mesmo se aplicava, uns anos mais tarde, às entrevistas de emprego. No meu sonho, as coisas não corriam sempre bem mas, pelo menos, a gestão das emoções estava garantida.
A relação dos miúdos e, depois, dos adultos, com eles próprios era muito melhor — havia mais autoconhecimento, maior autoestima e confiança. E se a relação que cada um tem consigo mesmo é boa, o que dizer da relação com os outros? Spoiler alert: vai ser, obviamente, melhor.
A forma como tratamos os outros diz muito sobre nós e, na vida real, os conflitos entre os indivíduos tendem a começar logo na infância — veja-se o bullying e o seu impacto altamente nocivo a curto, médio e longo prazo. A educação emocional também é importante, desde cedo, para mudar este cenário.
Um mundo diferente, um mundo melhor
No Admirável Mundo da Inteligência Emocional, trabalhava-se, desde cedo, o respeito pelo próximo e a empatia para que a capacidade de criar relações saudáveis se entranhasse e mantivesse para o resto da vida — nas amizades, no trabalho, nos namoros, nos casamentos. Havia inteligência emocional para criar relações estruturadas e para sair delas quando as coisas já não estivessem bem.
É natural, então, que a violência no namoro, a violência doméstica e a violência no geral, fossem algo estranhíssimo. É que, para além de saberem reconhecer relações tóxicas a léguas e sair delas ilesos, no Admirável Mundo da Inteligência Emocional, as pessoas não precisavam de descarregar as frustrações e as angústias, de forma violenta, nas outras. Regra geral, sabiam trabalhá-las de forma saudável e integrada, desde sempre.
A corrupção era, no meu sonho, um conceito desconhecido.
Para além do impacto positivo nas relações interpessoais, a empatia e o respeito pelo próximo eram algo que se notava na organização da própria sociedade e no seu quotidiano. Na forma como as empresas e a política funcionavam. Com os valores no sítio certo, ninguém ousava agir em proveito próprio — sabia bem que iria prejudicar outros e isso era impensável. Pelo menos, no Admirável Mundo da Inteligência Emocional. A corrupção era, no meu sonho, um conceito desconhecido.
Já deu para perceber que no Admirável Mundo da Inteligência Emocional as coisas eram realmente diferentes. Por falar em coisas, aproveito para vos dizer que, lá, havia menos coisas, no geral. Na vida real, consumimos muito. Compramos tudo, precisamos de tudo. Se estamos felizes, precisamos de comprar algo para celebrar. Se estamos tristes ou frustrados, precisamos de comprar algo que nos console. Ora, parece que uma das vantagens da inteligência emocional é que a gestão correta do que sentimos nos dá a bagagem e maturidade emocional suficiente para não precisarmos de preencher nenhum vazio ou angústia com bens materiais. Até porque isso não resolve nada. A importância dos bens materiais era ensinada, mas relativizada: vivia-se com o que se precisava para viver. O consumo não era desenfreado e havia, consequentemente, menos lixo e menos desperdício. A relação dos indivíduos com a terra que habitavam e com os ecossistemas com os quais coexistiam era de respeito máximo. No Admirável Mundo da Inteligência Emocional, a regra era o consumo sustentável e consciente que acabava, em última análise, por se refletir numa melhor distribuição de recursos por toda a parte e numa atenuação das desigualdades sociais. De resto, à semelhança da violência, também problemas como o alcoolismo e a toxicodepência eram raros, naquele mundo. Dotadas de skills que lhes permitiam gerir emoções como a tristeza, a desilusão, a frustração e a raiva, as pessoas não precisavam desse tipo de válvulas de escape tão nocivas. Finalmente, as pessoas eram fisicamente mais saudáveis. Não é difícil perceber porquê. Indivíduos com dificuldades no que toca à gestão das suas emoções tendem ser mais ansiosos e stressados — correm, por isso, mais riscos de ter problemas de saúde. Afinal, estimular emoções parece ser estimular bons resultados a todos os níveis. Acordei, lembrei-me, e pensei: que bom era que o meu sonho fosse realidade. Que fôssemos todos mais saudáveis e bonitos. De dentro para fora. Por dentro e, por isso, por fora.
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